Será que num futuro próximo os países vão deixar de usar dinheiro vivo?

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11 de julho de 2025
Em 2017, a Visa lançou nos Estados Unidos a campanha “Visa Cashless Challenge” para incentivar pequenas empresas, especialmente restaurantes e estabelecimentos de alimentação, a abandonarem o uso de numerário e adotarem exclusivamente os pagamentos digitais. A Visa ofereceu até 10.000 dólares a 50 empresas que aceitassem esse desafio. Esta iniciativa, embora localizada, refletia uma tendência global cada vez mais clara: governos e grandes empresas estão a pressionar no sentido da redução do uso de dinheiro físico. Essa pressão crescente leva inevitavelmente à pergunta: será que, em breve, o dinheiro vivo vai desaparecer completamente?
Para responder a essa questão de forma séria, é importante olhar para os factos. Hoje, há países onde o numerário já representa uma parte mínima das transações. Nos países nórdicos, como a Suécia e a Noruega, menos de 10% das transações são feitas com dinheiro físico, sendo comum encontrar estabelecimentos que já não o aceitam. Outros países como a Dinamarca, a Finlândia, a Coreia do Sul e, de forma bastante acentuada, a China, também têm reduzido o uso de notas e moedas a um ritmo acelerado. Na China, plataformas como WeChat Pay e Alipay popularizaram os pagamentos por QR Code, tornando cada vez mais raro o uso de dinheiro. Em Portugal, embora o numerário ainda esteja presente no quotidiano, sobretudo entre os mais idosos ou em zonas rurais, os pagamentos digitais ganharam grande popularidade, em especial após a pandemia, com o crescimento de soluções como o MB Way, os cartões contactless e as transferências instantâneas.
A tendência é evidente e compreensível, pois existem razões sólidas para que tanto os governos como as grandes empresas incentivem o uso de meios de pagamento digitais. Ou seja, têm sido feitos esforços significativos para conduzir a sociedade para dentro da matrix. Por um lado, o dinheiro digital permite um maior controlo e rastreabilidade das transações. Cada compra ou transferência deixa um registo eletrónico, o que facilita o combate à economia paralela, ao branqueamento de capitais e à evasão fiscal. Para os governos, isto traduz-se num controlo fiscal mais eficaz e numa maior capacidade de monitorizar os fluxos de capital. Por outro lado, os pagamentos digitais facilitam o cumprimento das obrigações fiscais. As transações são, muitas vezes, acompanhadas automaticamente da emissão de fatura, o que reduz as oportunidades para fraude e aumenta a arrecadação de impostos, nomeadamente o IVA. Esta automatização contribui também para uma maior equidade entre empresas e para o aumento da receita pública.
Contudo, apesar das vantagens, o dinheiro físico ainda tem um papel importante a desempenhar, e há obstáculos significativos à sua completa eliminação. Nem todas as pessoas têm acesso a smartphones ou a uma ligação à internet fiável, o que se verifica especialmente em zonas rurais ou em países em desenvolvimento. Para muitas pessoas, o dinheiro vivo continua a ser uma forma de liberdade e anonimato, uma ferramenta que lhes permite manter algum grau de privacidade nas suas transações. Além disso, há sempre o risco de falhas técnicas, fraudes eletrónicas ou ciberataques, que podem paralisar temporariamente os sistemas digitais. Em situações de emergência, o numerário é, muitas vezes, a única opção viável.
A importância do dinheiro físico vai além do quotidiano das pessoas. Os próprios governos reconhecem o seu valor estratégico. Um exemplo claro disso é o caso de Angola. Em 2015, vários bancos correspondentes norte-americanos deixaram de trabalhar com bancos angolanos para transações em dólares, o que na prática significou um bloqueio ao acesso do país à moeda mais utilizada no comércio internacional. Esta decisão, que resultou de preocupações com a transparência, risco de branqueamento de capitais e exigências regulatórias dos Estados Unidos, teve um impacto devastador para Angola: escassez de divisas, dificuldades para pagar importações, desvalorização do kwanza, inflação e uma crise económica agravada. Este exemplo mostra como o dinheiro físico, neste caso o dólar, continua a ser uma poderosa ferramenta de influência económica e geopolítica.
Perante tudo isto, será que o dinheiro físico vai desaparecer? A resposta mais realista é: não. É possível, e até provável, que deixe de ser o meio dominante de pagamento no dia a dia, mas continuará a existir como alternativa necessária. Muitos países deverão manter ambos os formatos, digital e físico, garantindo não só a inclusão financeira como também uma maior resiliência em tempos de crise. Aliás, um dos países mais avançados neste processo, a Dinamarca, já anunciou o lançamento de novas notas entre 2028 e 2029, como forma de garantir que o dinheiro físico continua disponível.
Portanto, embora a digitalização dos pagamentos seja uma tendência inegável e com vantagens inquestionáveis, o dinheiro vivo não está prestes a desaparecer. Ele pode estar a recuar, mas continua a ser, e continuará a ser, uma peça fundamental no equilíbrio entre conveniência, liberdade, segurança e controlo.

Elso Manuel
Fundador do KumbuFacil.com e Criador da plataforma AIPEGS.net.